Carta das Lideranças Dominicanas no Brasil, por ocasião
da Festa de São Domingos de Gusmão, a ser celebrada no próximo dia 8.
04 de agosto de 2020
São Domingos rompeu com o triunfalismo da Igreja do século 13, que tanto escandalizava os
pobres, a ponto de provocar dissidências na Cristandade (cátaros e albigenses, por exemplo). Com seu
testemunho, fez radical opção pelos pobres, tornando-se mendicante e, ao fundar o que hoje conhecemos
como Família Dominicana, desejou ver a Igreja retornar às suas origens evangélicas. Domingos assumiu
e propagou a espiritualidade de Jesus, marcada por sua vida de denúncias das opressões e compromisso
com os pobres, o que lhe trouxe inúmeros conflitos pessoais e políticos.
Muita gente, ainda hoje, se pergunta por que Jesus fez tal opção pelos pobres? A resposta
continua óbvia: porque Jesus sabia que todo pobre é, de fato, um empobrecido, ou seja, uma vítima da
injustiça social. A pobreza não é uma escolha, mas sempre um estado de carência e, por isso, não há, na
Bíblia, um só versículo que diga que ela é agradável a Deus. Ao contrário, ela sempre aparece como um
mal, fruto da injustiça que ameaça a vida plena. Assim, Deus não está do lado da pobreza, mas está
sempre do lado do pobre, que é um bem-aventurado diante de seu coração e seus olhos.
Jesus assume a causa dos pobres e, por isso, sua vida foi fundamentalmente política e ele sempre
falou do Pai em sentido político. O Deus de Jesus não admite nenhuma ordem política que negue o
direito à vida, mas é um Deus que deseja o bem comum e preza por valores como a fraternidade, a
solidariedade e o bem-estar de todas as pessoas. Jesus traduziu muito bem esse Projeto: “Eu vim para
que tenham vida, e a tenham em abundância” (João 10,10).
A pandemia da Covid-19 é uma séria ameaça à vida humana. Hoje ultrapassamos 95 mil mortes no
Brasil, vítimas desta doença! Devido à ineficácia e ao descaso das Políticas Públicas, marcadas pelo
imediatismo e pela insensibilidade e irresponsabilidade diante da morte, a pandemia no Brasil é um
verdadeiro genocídio, cujos efeitos colaterais desvelam as desigualdades que marcam, há anos, a nossa
história nacional: fome, miséria, desemprego, precarização das condições de trabalho, falência de
empreendimentos, refluxo da economia, desestabilização do sistema escolar, etc.
O que faria Domingos em uma conjuntura como esta, que chegou a vender seus livros, feitos de
peles de animais, para salvar peles humanas? O que ele espera de nós, seus seguidores e suas seguidoras?
Certamente ele assumiria três atitudes:
1ª) Denunciar as causas desse genocídio: o surgimento do vírus por desequilíbrio socioambiental;
a inoperância de certos governos (e, no Brasil, especialmente); o sucateamento do Sistema Público de
Saúde; a seletividade social das vítimas; enfim, toda a insensibilidade e frieza diante da perda de dezenas
de milhares de vidas.
2ª) Suscitar ações efetivas de solidariedade às vítimas, às suas famílias e aos setores mais
vulneráveis da população: organizar mutirões e mobilização popular junto às populações pobres, para
aliviar o sofrimento; promover distribuição de cestas básicas e produtos de higiene; ajudar iniciativas
como as hortas e cozinhas comunitárias; ministrar cursos profissionalizantes às pessoas desempregadas;
facilitar o acesso dos mais pobres aos recursos de internet, entre outras possíveis iniciativas.
3ª) Realizar ações formativas que levem à ruptura com os diversos fundamentalismos, porque estes
se desdobram em violências contra as pessoas vulneráveis pela ação de seu Direitos.
Essas atitudes exigem de nós ainda mais: precisamos repensar a nossa missão dominicana. Como
filhos e filhas de Domingos, somos discípulos e discípulas de Jesus? Em nossas missões, especialmente
junto a Paróquias, Escolas e Movimentos Sociais, estamos sendo capazes de despertar o povo para o
alcance da crise socioambiental da Encíclica Laudato Si? Nossa Evangelização é meramente exortativa
e sacramentalista ou também mobilizadora em favor das causas dos pobres e em prol da Justiça?
São questões que devemos responder com uma espiritualidade de compromisso libertador,
assumindo a atitude de uma “Igreja em saída”, tão enfatizada pelo Papa Francisco. Nesta perspectiva,
precisamos testemunhar uma Igreja que não seja fechada em sua expressão de conforto e omissão, como
é o caso de certas estruturas conventuais, fundadas no distanciamento dos pobres e no receio de
desagradar aos ricos.
Diante de quem bate às nossas portas com fome, chegou a hora de nós, também, “vendermos
nossos livros” para alimentar as pessoas famintas, escravas, desempregadas, cansadas e desesperançadas
de todo tipo.
Desejamos a benção divina de saúde e paz a todas e todos.
Assinam esta Carta: as lideranças dominicanas do Brasil, a saber:
• Frei José Fernandes Alves, Prior Provincial da Província Frei Bartolomeu de Las Casas e
Coordenador da Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil
• Irmã Flor de Maria Callohuanca Aceituno, Priora do Mosteiro Cristo Rei
• Irmã Jacinta Fátima Souza, Presidente da Federação das Irmãs Dominicanas do Brasil
• Irmã Solanje Tavares de Carvalho, Priora Provincial das Irmãs Dominicanas de Monteils
• Irmã Maria do Bonfim, Priora Provincial das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena
• Irmã Maria Generosa Barbosa, Priora Provincial das Irmãs Dominicanas da Beata Imelda
• Irmã Solange Damião, Priora Provincial das Irmãs Dominicanas Romanas de São Domingos
• Irmã Judite Santana, Priora Provincial das Irmãs Dominicanas de Santa Maria Madalena
• Irmã Rosa Pinto, Delegada Geral das Irmãs Dominicanas do Santíssimo Sacramento
• Irmã Maria de Fátima e Silva, Priora Regional das Irmãs Dominicanas de Melegnano
• Irmã Mariza de Fátima Assis, Priora Regional das Irmãs Dominicanas de São José
• Irmã Marina Estevam de Jesus, Delegada Provincial das Irmãs Dominicanas da Anunciata
• Irmã Maria Cleide Pires de Andrade, Delegada Regional das Irmãs OPs da Apresentação
• Irmã Judith Gomez, Coordenadora da Casa dos Sonhos das Irmãs OPs do SS. Nome de Jesus
• Irmã Lucimar Custodio da Silva, Vigária das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena
• Rodrigo Barreto Rodrigues, Coordenador das Fraternidades Leigas Dominicanas
• Giovanna Araújo Santos, Coordenadora Nacional do Movimento Juvenil Dominicano – MJD
Segue o link da "Carta das Lideranças Dominicanas no Brasil":
http://www.dominicanos.org.br/site457/arquivos/4da689f319947d28b18d472e4d414587.pdf
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