Fraternidade e Vida, dom e compromisso.
"Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”.
Por Ir. Luciana Vinícius de Souza
O início da Quaresma na quarta-feira de cinzas é um tempo de conversão ao coração de Deus,
sendo uma exigência à escuta d'Ele que nos fala ao deserto. O comportamento de Deus à humanidade não é
invasivo, mas profético. Nisso, escutar a Deus no deserto é um processo educativo
da fé e de retidão, pois desperta a consciência da história em vista da
liberdade e do bem viver. (Êxodo 15,22-18,27; Nm. 14 2-3; Dt. 8,2;). A aliança
do povo que marcha à terra prometida é expressão de amor e cuidado de Deus em meio a dor e esperança (Dt.1,31). A
passagem pelas trevas à luz é um exemplo seguido por Jesus, discípulo e
missionário do Pai (Mc 1,35; Mt.4,1). Hoje, a tarefa dada a cada um é viver o
itinerário cristão que desperta o zelo para que todos tenham vida em abundancia
(Jo. 10,10; Rm. 13,12).
Com a campanha da Fraternidade, realizada desde a Quaresma de 1961, a
Igreja católica no Brasil lança o olhar de cuidado fraterno e solidário para a
realidade social do país e do mundo, mobilizando todas as comunidades e
paróquias em atitude de evangelização e compromisso de fé e vida. O gesto
concreto da campanha encoraja os cristãos a assumir um processo de conversão
integral onde haja envolvimento e reciprocidade nas relações cotidianas. Ao mesmo tempo, arrecada
fundos para as atividades assistenciais. Dessa atitude nasce a espiritualidade
quaresmal atualizando o mistério pascal no alicerce da comunhão e participação,
“sentar à mesa comum, lugar de diálogo e de esperanças compartilhadas”,[1] caracteriza
o gesto de Jesus com seus discípulos em construir uma identidade cristã e
fraterna de ressurreição. Para celebrar a Páscoa faz-se necessário percorrer um
caminho de mudança, ternura, justiça e solidariedade.
O olhar da campanha da Fraternidade 2020:
"Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso" e o lema "Viu, sentiu
compaixão e cuidou dele" dinamiza a reflexão e significado profundo da
misericórdia e da compaixão de uma igreja em saída, atenta às diversas
periferias da rua, do campo e da cidade. O exemplo do samaritano
(Lc.10, 25-37) é o horizonte bíblico da contemplação e práxis que interpela e
reorienta a missão nas dimensões pessoal, comunitária, social e ecológica
do ver, solidarizar-se e cuidar[2].
A referência da parábola do Bom Samaritano
nos ensina o olhar da compaixão como testemunho e estímulo a amar, cuidar e
respeitar os outros nas diversas situações de luta e resistência. Há
muita dignidade humana ferida nos clamores das injustiças. Há uma vasta lista
de irregularidades que matam e banalizam a vida, dentre elas: a memória de
catástrofes ambientais de rompimento da barragem em Mariana (05/11/15), e
Brumadinho (25/01/19); o crescimento da desigualdade social no Brasil se
tornando o 9º país mais desigual do planeta; o aumento de ações de violência à
mulher, o racismo estrutural ao jovem, aos indígenas e afro-americanos,
trabalhadores das favelas, agricultores sem terra, a exploração no trabalho
infantil e no campo, grupos desempregados, exclusão e analfabetismo
tecnológico, a falta de moradia, as enfermidades e desamparo às pessoas em
situação de rua e a situação dos migrantes. “O que fazer para
mudar o mundo? Amar. O amor pode, sim, vencer o egoísmo” [3].
Dom e compromisso (Jo 4,10) é convite a fazer
o exame de consciência e não aceitar o pecado da omissão, posicionando-se
contra a raiz dos males sociais, a desigualdade. A mensagem da acolhida e
amizade fraterna reflete a dinâmica da reconciliação no olhar de Cristo que
ajuda, acompanha, protege, defende e salva toda a criação. O compromisso com a
vida que encoraja a construir uma sociedade humanitária e solidária é
reconhecido no gesto evangélico e profético de homens e mulheres que se
solidarizam a romper a indiferença e derrotar a injustiça. Nas palavras e
testemunho de Santa Dulce dos Pobres, “é preciso que todos tenham fé e
esperança em um futuro melhor. O essencial é confiar em Deus. O amor constrói e
solidifica”. Enfim, a tarefa da campanha da Fraternidade na quaresma é ensinar
o tempo da esperança e empatia entre as pessoas para promover a paz. A
luta social implica capacidade de fraternidade, um espírito de comunhão humana[4].
A maneira de olhar de Jesus, como o bom samaritano gera uma realidade de
compromisso e respeito para ver o outro e ser presença samaritana. A caridade
divina que nasce do coração de Jesus é a proposta do Evangelho, busca da
justiça do Reino, que só é possível numa cultura do encontro [5]e
da fraternidade.