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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Campanha da Fraternidade 2020:


 Fraternidade e Vida, dom e compromisso. 

"Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”.




                                                             Por Ir. Luciana Vinícius de Souza
O início da Quaresma na quarta-feira de cinzas é um tempo de conversão ao coração de Deus, sendo uma exigência à escuta d'Ele que nos fala ao deserto. O comportamento de Deus à humanidade não é invasivo, mas profético. Nisso, escutar a Deus no deserto é um processo educativo da fé e de retidão, pois desperta a consciência da história em vista da liberdade e do bem viver. (Êxodo 15,22-18,27; Nm. 14 2-3; Dt. 8,2;). A aliança do povo que marcha à terra prometida é expressão de amor e cuidado de Deus em meio a dor e esperança (Dt.1,31). A passagem pelas trevas à luz é um exemplo seguido por Jesus, discípulo e missionário do Pai (Mc 1,35; Mt.4,1). Hoje, a tarefa dada a cada um é viver o itinerário cristão que desperta o zelo para que todos tenham vida em abundancia (Jo. 10,10; Rm. 13,12).

Com a campanha da Fraternidade, realizada desde a Quaresma de 1961, a Igreja católica no Brasil lança o olhar de cuidado fraterno e solidário para a realidade social do país e do mundo, mobilizando todas as comunidades e paróquias em atitude de evangelização e compromisso de fé e vida. O gesto concreto da campanha encoraja os cristãos a assumir um processo de conversão integral onde haja envolvimento e reciprocidade nas relações cotidianas. Ao mesmo tempo, arrecada fundos para as atividades assistenciais. Dessa atitude nasce a espiritualidade quaresmal atualizando o mistério pascal no alicerce da comunhão e participação, “sentar à mesa comum, lugar de diálogo e de esperanças compartilhadas”,[1] caracteriza o gesto de Jesus com seus discípulos em construir uma identidade cristã e fraterna de ressurreição. Para celebrar a Páscoa faz-se necessário percorrer um caminho de mudança, ternura, justiça e solidariedade.
O olhar da campanha da Fraternidade 2020: "Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso" e o lema "Viu, sentiu compaixão e cuidou dele" dinamiza a reflexão e significado profundo da misericórdia e da compaixão de uma igreja em saída, atenta às diversas periferias da rua, do campo e da cidade.  O exemplo do samaritano (Lc.10, 25-37) é o horizonte bíblico da contemplação e práxis que interpela e reorienta a missão nas dimensões pessoal, comunitária, social e ecológica do ver, solidarizar-se e cuidar[2].
A referência da parábola do Bom Samaritano nos ensina o olhar da compaixão como testemunho e estímulo a amar, cuidar e respeitar os outros nas diversas situações de luta e resistência.  Há muita dignidade humana ferida nos clamores das injustiças. Há uma vasta lista de irregularidades que matam e banalizam a vida, dentre elas: a memória de catástrofes ambientais de rompimento da barragem em Mariana (05/11/15), e Brumadinho (25/01/19); o crescimento da desigualdade social no Brasil se tornando o 9º país mais desigual do planeta; o aumento de ações de violência à mulher, o racismo estrutural ao jovem, aos indígenas e afro-americanos, trabalhadores das favelas, agricultores sem terra, a exploração no trabalho infantil e no campo, grupos desempregados, exclusão e analfabetismo tecnológico, a falta de moradia, as enfermidades e desamparo às pessoas em situação de rua e a situação dos migrantes. “O que fazer para mudar o mundo? Amar. O amor pode, sim, vencer o egoísmo” [3].
Dom e compromisso (Jo 4,10) é convite a fazer o exame de consciência e não aceitar o pecado da omissão, posicionando-se contra a raiz dos males sociais, a desigualdade. A mensagem da acolhida e amizade fraterna reflete a dinâmica da reconciliação no olhar de Cristo que ajuda, acompanha, protege, defende e salva toda a criação. O compromisso com a vida que encoraja a construir uma sociedade humanitária e solidária é reconhecido no gesto evangélico e profético de homens e mulheres que se solidarizam a romper a indiferença e derrotar a injustiça. Nas palavras e testemunho de Santa Dulce dos Pobres, “é preciso que todos tenham fé e esperança em um futuro melhor. O essencial é confiar em Deus. O amor constrói e solidifica”. Enfim, a tarefa da campanha da Fraternidade na quaresma é ensinar o tempo da esperança e empatia entre as pessoas para promover a paz. A luta social implica capacidade de fraternidade, um espírito de comunhão humana[4]. A maneira de olhar de Jesus, como o bom samaritano gera uma realidade de compromisso e respeito para ver o outro e ser presença samaritana. A caridade divina que nasce do coração de Jesus é a proposta do Evangelho, busca da justiça do Reino, que só é possível numa cultura do encontro [5]e da fraternidade. 


 



[1] Exortação Apostólica pós-sinodal do Papa Francisco, n. 37.
[2] Manual CF/2020.
[3] idem.
[4]Exortação Apostólica pós-sinodal do Papa Francisco, nº 20.
[5] Exortação Apostólica pós-sinodal do Papa Francisco , nº 22.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Querida Amazônia, nosso sonho sagrado.




Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazônia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos.


A Encíclica “Querida Amazônia”, publicada pelo Papa Francisco neste mês de fevereiro, nos lança um olhar de ternura e coragem. Une-nos aos desafios da missão além-fronteiras; pois em cada lugar do mundo está a graça de Deus, em que se encarna a espiritualidade da criação. Ao iniciar a leitura da exortação apostólica, enche-nos de admiração a sonoridade da Igreja em anseio de estreitar os laços de comunhão entre todos os povos e inspirar as pessoas de boa vontade contra o ódio, a ganância e as injustiças. Também, evocamos os diversos lugares em que as tristes notícias conhecidas através das redes sociais nos alertam a inconstância e escândalos contra a aurora de sonhos e utopias. Continuamos a sonhar e a escutar o grito da Amazônia que ecoa o mistério sagrado e nos inter-relaciona, homens e natureza pelo zelo à sabedoria do querer e bem viver. É necessária uma voz profética e, como cristãos, somos chamados a fazê-la ouvir (Cf. nº 27).

Na partilha dos quatro grandes sonhos de Francisco encontramos a realidade de luta da floresta e dos povos, por vezes alheia ao nosso olhar. O sonho nos inspira ao mistério de Deus pelo alcance da verdade (Cf.Gn.32). Por isso, os sonhos de Francisco são nossos, expressam o sentido de justiça e paz. Fazem-nos crer que há um jeito diferente de recontar a nossa história ao futuro.  Poeticamente, cantamos e rezamos a marca e a força de pessoas e da natureza, os sentimentos de solidariedade, da resistência, das lutas que fazem sonhar:

É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida”.
(Maria, Maria – Canção de  Milton Nascimento)[1]

Ousamos sonhar em nome de todas as comunidades amazônicas, especialmente quilombolas, ribeirinhos e indígenas: um sonho social pelos direitos dos povos originários e os mais pobres na capacidade da fraternidade; um sonho ecológico com toda a biodiversidade, cuidada pela consciência e respeito numa relação cósmica; um sonho cultural de escuta e cultivo da identidade, ‘sem invadir’ a relação dos habitantes; um sonho eclesial com rosto da Amazônia, de ser igreja em saída, missionária e profética “aos olhos do mundo com todo o seu esplendor, o seu drama e o seu mistério” (Cf.nº1).  Ousamos sonhar a nossa responsabilidade de, juntos dialogar e atuar pelo bem comum; para a promoção à civilização do amor.
A ecologia integral é encontro do sonho amoroso de Deus, o universo acolhido em nossa humanidade. Para cada um de nós, implica a dinâmica contemplativa dos corpos, que se fazem circular em reciprocidade por todo dom recebido. Respiramos o ar que é comum. Numa mistura de dor e alegria, o sopro de vida se faz “dança” e esse movimento nos impele à missão. E isso nos permite encher-nos do verdadeiro espírito de diálogo, nutre-se da capacidade de entender o sentido daquilo que o outro diz e faz, embora não se possa assumi-lo como uma convicção própria – ((C.f nº108).

 O olhar de esperança nos interpela à luz da Palavra de Deus gerada na humanidade. “É preciso indignar-se, como se indignou Moisés (cf. Ex 11, 8), como Se indignava Jesus (cf. Mc 3, 5), como Se indigna Deus perante a injustiça (cf. Am 2, 4-8; 5, 7-12; Sal 106/105, 40). Cabe a cada um de nós a responsabilidade por essa indignação sã,  capaz de superar a marginalização cruel de massacres e mortes para construir novas relações de solidariedade e partilha.  O Evangelho propõe a caridade divina que brota do Coração de Cristo e gera uma busca da justiça, que é inseparavelmente; um canto de fraternidade e solidariedade, um estímulo à cultura do encontro. ( cf. nº22).

Com Maria, mãe peregrina da Amazônia, e de todos os povos, dialogamos e sonhamos uma sociedade humanitária, capaz de nos transformar e transbordar em irmandade.
E assim o sonho se faz...